Conheça a trajetória de Zé Raimundo, jornalista considerado um mestre na arte de contar histórias

Texto: Louise Calegari

Se você gosta de televisão, assim como eu, seguramente já se emocionou ao ouvir a voz de José Raimundo Oliveira falando sobre pessoas e lugares espalhados pelo país. O timbre marcante e doce, ao mesmo tempo, desse jornalista, sempre foi pautado pela seriedade e leveza ao narrar até mesmo os acontecimentos mais difíceis, de uma maneira natural e segura. O texto impecável, construído com brilhantismo para entreter o telespectador, faz desse repórter um mestre na arte de contar histórias.

Mas, mesmo com tantas qualidades, que poderiam fazer com que ele subisse em um pedestal, Zé – como é chamado pelos colegas e amigos – segue com seu jeito simples e sua generosidade para lidar com os que acompanham a sua carreira ou com os colegas que estão começando. Foi assim, com profissionalismo, respeito ao próximo e um olhar apurado, que esse baiano de Riachão do Jacuípe pautou sua carreira de mais de 40 anos, redescobrindo a cada dia no jornalismo, a sua razão de viver. 

HISTÓRIA

Zé começou a se relacionar com a profissão quando ainda era adolescente, no antigo ginásio da escola em que estudava. Primeiro criou um jornalzinho que circulava na instituição. E como naquele tempo não havia impressora, o jeito foi fazer as cópias mimeografadas: “Dava um trabalho danado para imprimir naquele mimeógrafo, mas foi assim que eu comecei”, conta ele. O jornal circulou por um tempo e só voltou a ser feito quando o jornalista, já adulto, trabalhava em um banco: “Nessa época eu já morava em Feira de Santana e o mais engraçado é que eu tinha que ser o repórter, o pauteiro, o editor chefe e ainda o jornaleiro, já que saía vendendo os exemplares pela cidade com ajuda dos meus irmãos e alguns amigos.”

Depois começou a se envolver com futebol, outra paixão do jornalista. Visionário, implementou uma resenha esportiva no serviço de alto-falante de um amigo: “Eu fazia o programa do pequeno estúdio da casa desse amigo aos finais de semana, e as pessoas ouviam da praça”, lembra ele sorrindo.

Do estúdio improvisado para a rádio foi um pulo, e o contrato veio com um empurrãozinho do destino: “Eu fiz um teste na Rádio Sociedade da Bahia e passei, mas não tinha vaga para mim. Aí, de vez em quando, eu passava na emissora para saber da tal vaga, quando num belo dia recebi o convite para substituir um repórter que havia faltado. Disse ao diretor que nunca tinha visto uma câmera na minha frente, mas que se ele quisesse, eu poderia tentar.”

Mesmo nervoso com a estreia, deu conta do recado e ficou com o cargo na extinta TV Tupi. Mas logo em seguida veio a crise da empresa e, junto com ela, a falta de verba e equipamentos sucateados. Zé conta que chegou a receber relógio e até eletrodoméstico como pagamento, fruto das permutas que a emissora fazia para angariar verba: “Tudo isso me ensinou a trabalhar com as dificuldades, o que foi muito importante na minha vida.”

Da Tupi, o currículo ganhou o registro da TV Aratu que era, antigamente, afiliada da Globo, antes de perder o contrato para a TV Bahia. Foi nessa última emissora que Zé passou 31 anos como repórter especial da rede.

“A primeira reportagem que eu fiz para o Jornal Nacional foi sobre um acidente ecológico no Rio São Francisco, que perdeu muitos peixes para um vazamento de uma usina de açúcar e álcool. Foi a partir dela que fui credenciado como repórter do programa, do Fantástico, e num momento posterior, do Globo Repórter”, explica o jornalista.

MOMENTOS MARCANTES  

Quem convive com a reportagem diária tem a chance contínua de se emocionar com momentos e situações ao longo da caminhada. Zé enumera muitos ao longo das gravações feitas sobre o meio ambiente e a natureza, seja na grandiosidade e beleza do Monte Roraima, na força do Rio São Francisco ou na magnitude do Rio Amazonas: “Lembro de acompanhar uma pescaria sobre um peixe amazônico que nasce no Peru e se alimenta no oceano Atlântico, a 150 km da foz. Eu me surpreendi ao provar a água e ela ter um gosto doce por causa da força do rio. Uma coisa impressionante.”

Mas como a vida de repórter nunca foi fácil, ele narra um dos momentos de tensão que já viveu: “Estava cobrindo uma serraria clandestina que não tinha autorização para funcionar, muito menos para derrubar a mata. Eu e o cinegrafista entramos no local para mostrar a quantidade de madeira ilegal no pátio da empresa e fomos expulsos sob a mira de um revólver. Rezei muito nesse dia.”

PARA UM NOVO TEMPO, UM NOVO MODELO DE JORNALISMO

 “Sou do tempo do telégrafo e da máquina de escrever. Hoje a tecnologia evoluiu tanto que é possível fazer uma matéria completa por telefone, o que facilita muito o trabalho” recorda, acrescentando que essa facilidade pode ser um obstáculo para quem está começando: “O profissional de hoje precisa ter sempre o desejo pela informação exclusiva, cultivando e respeitando as suas fontes. Sem isso, ele corre o grande risco de fazer um trabalho sem muita consistência.”

Sobre ser um bom jornalista, Zé ensina o segredo com a sua generosidade implacável: “Um bom jornalista é o profissional que sabe ouvir mais do que falar. É um pré-requisito para ser o interlocutor do assunto ao qual ele está se dedicando. Ele precisa ter compromisso com a verdade, ser ético e conquistar a confiança do seu público com respeito e simplicidade, pois ele nunca deve ser o protagonista.”

Em relação ao futuro, ele adianta: Tenho alguns projetos já na cabeça, mas nada consistente. Ainda tenho muita lenha para queimar, muita história para contar, pois é o que eu sei e o que gosto de fazer. Pretendo seguir nesse caminho por muitos anos.” 

Fotos: Arquivo Pessoal

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