Moda que transforma

Conheça Carol Barreto, criadora do projeto Modativismo que transforma em potência a história da mulher negra

Texto: Louise Calegari

Elas são muitas e estão por toda a parte. As mulheres negras representam mais de 28% da população brasileira, de acordo com o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). Mas, mesmo com um percentual tão expressivo, em pleno século 21, essas mulheres são minoria em quase todos os segmentos ligados ao mundo da moda. 

A consequência disso é devastadora, quando pensamos que é exatamente esse o setor que dita regras e padrões que acabam sendo inatingíveis, para a maioria, principalmente para meninas negras, que pela falta de representatividade, crescem sem ter referências e sem alimentar o amor próprio, por não se enxergarem em lugar nenhum. 

Para transformar essa realidade, coletivos e instituições foram criados, na última década com intuito fomentar ações voltadas à equiparação de gênero e raça, nesse segmento que está o tempo inteiro sob os holofotes. Muitos gritos ecoaram de todos os cantos, para resgatar a autoestima e lembrar da força e do poder da mulher preta. Uma dessas vozes é a da baiana Carol Barreto, que se destacou com o projeto MODATIVISMO e recentemente ganhou o Prêmio Fashion Futures do Instituto C&A, na categoria de Personalidade de Moda.

O COMEÇO DE TUDO

Desde pequena, Carol já expressava nos desenhos – feitos em cadernos da escola – a vontade de reconstruir. Os rabiscos dos modelitos vestiam sempre pessoas como ela, como as amigas e vizinhas: “sempre desenhei moda em croquis feitos a partir da representação da corporalidade e da aparência das mulheres negras”, conta ela.

Nascida na pequena cidade de Santo Amaro da Purificação, no Recôncavo Baiano, Carol teve a sorte de estudar em escolas particulares, devido ao sacrifício dos pais: “eles tiveram uma vida difícil de muita superação e fizeram de tudo para nos dar o que para eles, era prioridade – uma boa educação. E isso era para que a gente pudesse transcender esses entraves culturais”, explica.

Da cidade natal, ela se mudou para Feira de Santana para cursar Letras com inglês, na Universidade Federal. O curso foi só um pretexto para ter uma profissão, ser remunerada e buscar a realização do antigo sonho de trabalhar com moda. Carol conta, que graduação foi mais importante do que imaginava, pois o curso, que fazia parte do Departamento de Letras e Artes, a fez ter também ter acesso à imersão artística: “u compreendi a perspectiva do que é a linguagem de uma maneira muito mais ampla do que a oralidade ou as letras escritas e grafadas. Eu comecei a pensar mais a moda, a aparência, a corporalidade e as artes visuais, sob a perspectiva dos estudos da linguagem.”

Carol chegou até a cogitar abandonar o sonho de entrar pro mundo da moda, por causa da “quantidade de estereótipos que esse mesmo campo produz, reproduz e impõe.” Mas pensou direito e percebeu que poderia ser o instrumento da mudança que faltava: “O que me fez começar a empreender foi perceber a própria inexistência de pessoas como eu, dentro desse campo.”

A partir daí, a trajetória foi transformadora. Quanto mais estudava, mais se apaixonava pelo assunto e mais ainda questionava. Carol tornou – se artista Visual, Designer de Moda autodidata, professora de Design de Moda, professora do Departamento de Estudos de Gênero e Feminismo da Universidade Federal da Bahia e ainda escritora do livro documental “Coleção Colaborativa Modativismo: uma experiência de ensino-aprendizagem em moda afro-brasileira”, lançado no ano passado.  

Modativismo: moda como instrumento de mudança

O conceito de Modativismo foi criado por Carol Barreto e incentiva a diversidade cultural em todos os processos de criação de moda, além da valorização de elementos afrodescendentes.

O projeto que leva esse nome, nasceu há dez anos, fruto de uma parceria com a também designer Ju Fonseca e resgata origens da negritude, além de redesenhar os padrões que foram aprendidos a partir de um conceito branco e colonizador. As coleções e obras, feitas dentro do ateliê- escola, apareceram em passarelas e galerias de diversos países, além do Brasil, como Senegal, França, Angola, Estados Unidos, Canada, México e Colômbia. 

A artista demonstra frustração ao dizer que seu trabalho é infinitamente mais valorizado no exterior: “a falta de reconhecimento aqui, ao longo desses 20 anos de trabalho, eu só consigo ler como uma invisibilidade estratégica provocada pelo racismo mesmo. O meu trabalho tem alcance internacional por causa exclusivamente da agremiação de mulheres pretas de todos os cantos do mundo. É um investimento de intelectualidade.” 

Prêmio Fashion Futures do Instituto C&A

Para Carol Barreto, o prêmio foi uma surpresa por ser indicada na categoria de Personalidades da Moda, porque a ação de educadora –  como ela mesma diz – é feita nos bastidores e se baseia principalmente em não seguir passando para as alunas uma verdade na qual não acredita: “trata-se de mulheres negras, oriundas de periferias, pouco representadas no universo de moda e que não poderiam continuar absorvendo toda a ideia de exclusão e de reprodução de estereótipos que existe no setor”, explica.  “Foi a certeza de o percurso percorrido até agora foi o correto”, finaliza ela.

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