Matriarcado do dendê

Texto Louise Calegari

 

Há quem diga que basta uma pequena mordida de acarajé para mergulhar na explosão de sabores que tem a Bahia. E essa fama não é à toa. É impossível pisar nestas terras sem provar ao menos uma unidade desse bolinho que é sucesso no país inteiro. 

Para quem não sabe, o acarajé é uma especialidade é uma herança gastronômica africana que foi abraçada e transformada pela culinária brasileira. Trata-se de um bolinho feito de massa de feijão-fradinho, cebola e sal, e frito em azeite de dendê. Esta saborosa iguaria é também uma oferenda sagrada para o povo do candomblé. Ele é muito comum na região Ocidental da África, mas apresenta nomes distintos em cada país.

O nome tem origem iorubá, uma língua africana, em que akará quer dizer “bola de fogo” e jé significa “comer”. Juntos, os termos formam a expressão “comer bola de fogo”, diretamente relacionada com a história de Xangô e Iansã. Tudo isso, Juçara Santos, de 43 anos, aprendeu desde pequena com a mãe Cira, uma das baianas mais famosas de Salvador: “Comecei a acompanhar mainha desde pequena e aos poucos fui aprendendo cada coisa, desde o fazer ao servir”, conta ela.

A mainha de Juçara, foi uma mulher famosa. Jaciara de Jesus Santos, conhecida como a lendária Cira do Acarajé, que faleceu em 4 de dezembro de 202, coincidentemente no dia de Santa Bárbara, padroeira das baianas de acarajé e de quem era muito devota. O falecimento da matriarca da família, a fez assumir os pontos que foram inicialmente da avó, antes de passar para a mãe, a também baiana de acarajé Odete Braz – somando mais de 50 anos de comando familiar de tabuleiros localizados em bairros como Itapuã e  Rio Vermelho – uma tradição que segue a cada geração fortalecendo e unindo mulheres.

Hoje é impossível ir a Salvador e não visitar ao menos um desses tabuleiros que viraram pontos turísticos obrigatórios, que são cuidados também com muito carinho pelos outros familiares que se revezem na arte de atender bem.

Mas para o atendimento ser completo, é preciso ir para o início de tudo, que é a escolha criteriosa dos ingredientes: “Desde cedo Mainha me ensinou a escolher bem cada produto. O azeite de dendê, por exemplo, tem que estar sempre novinho, o camarão seco, eu só compro na maior feira da capital, a de São Joaquim e os tomates são os mais bonitos. É um compromisso com a qualidade e a excelência, uma marca registrada de nossa mãe e é o que mantém nossos tabuleiros cheios de domingo a domingo”, conta Juçara.

A receita, a baiana de acarajé não contam pra ninguém. É segredo sagrado de família. Em relação a isso, ela se limita a dizer: “A nossa produção segue as mesmas orientações de receitas e preparos deixadas por ela. É o que mantém a identidade dos nossos quitutes.”

Atualmente, as baianas de acarajé são símbolos da cultura da Bahia e o ofício é considerado Patrimônio Cultural do Brasil. E para representar bem essa figura emblemática do estado, no tabuleiro é obrigatório o traje típico das lindas indumentárias das baianas. 

Nos tabuleiros que ficaram marcados pelo nome Cira, os visitantes e turistas, são acolhidos com toda essa beleza e sabor, do inconfundível vatapá, salada, abarás, cocadas e bolinhos de estudante, feitos com tapioca e coco: “Mainha tinha um cuidado todo especial com as vestimentas das baianas que trabalham conosco. Seguimos isso e as nossas baianas estão sempre lindas, coloridas e encantadoras, como Cira do Acarajé gostava”, destaca Juçara. 

Mas por trás de todas essas insígnias, o verdadeiro legado passado de mãe pra filha é mesmo o do empreendedorismo, mostrando que o lugar da mulher é exatamente onde ela quiser e que o sucesso na profissão pode também ser originado nas tradições e na família, que neste caso, foi a base de tudo.

@acarajedacira

  • Compartilhe: