ADORO CONVIDA: RITA BATISTA

Jornalista da Globo fala sobre sua vida, o poder da mulher negra e a força da representatividade

Texto: Louise Calegari

Falar de Rita Batista é sair da mesmice. É pegar o verbo mais difícil da língua portuguesa e tentar conjugar. Com Rita não tem mistério, nem meias palavras ou sim pelo dito. Ela pega o assunto, desenrola até o avesso e faz você sair de uma pequena conversa, transformado. Conhecimento nasceu, cresceu e fez morada na casa dessa geminiana, que aprendeu desde cedo, a importância de manusear o saber, com o avô Arlindo, que segundo ela, lia tudo que encontrava pela frente: “Ele dizia que precisávamos ter repertório para argumentar, que preto tinha que ser letrado.” 

Naquela época, mesmo ainda pequena, Rita já sabia que a educação era um dos pilares mais relevantes. A leitura é importante para “saber falar”, coisa, que de acordo com ela, todos faziam muito bem na sua casa: “educação é poder e isso pra mim é fundamental”, conta ela. 

Se o ambiente influenciou a sua formação, foi de criança também que aprendeu a força que tinha dentro dela. Rita cresceu em uma casa hierarquizada pelas mulheres: “eu fui criada por minha avó, por minha mãe e ainda convivi com minha bisavó. Eu presenciei essa força potencial feminina, numa família na qual muitas mulheres eram o centro e os homens tinham papel coadjuvante.” Isso, numa época em que o machismo era ainda mais gritante e não se questionava a heteronormatividade: “no meu ambiente familiar eram as mulheres que davam as cartas. Mas sabe? Isso é coisa de casa de mulher preta, que apesar das dificuldades, ninguém abaixa a cabeça pra homem não”, complementa.

A aceitação e o orgulho da cor da pele também foram sendo construídos, à medida que ela via o exemplo de força da família cheia de mulheres fortes e negras e sentia na pele a dor da exclusão do preconceito. Rita conta, que desde se entende por gente, acumula histórias de preconceito e que chegou a ser, durante muito tempo, “a única negra da turma, numa escola particular, o que foi me fortalecendo e aos poucos, construindo uma carcaça, que não me retraía ou me fazia ser uma mulher dura, mas fortalecia os meus argumentos.”

Foi dentro de casa, que aprendeu a ressignificar: “fui ensinada a lidar com isso de uma maneira muito altiva e reconhecendo que aquilo não era uma brincadeirinha, que não era uma coisa que eu deveria aceitar. Então teve muita briga e confusão na infância e juventude, por conta disso: do meu cabelo, da cor da minha pele, por conta do lugar onde eu vinha.“

COMUNICANDO E TRANSFORMANDO

Apaixonada por comunicação, Rita chegou a cursar publicidade. Mas o talento para apresentar, criticar, cobrar das autoridades e dar sua opinião, muitas vezes ácida e necessária, fizeram sua carreira deslanchar. Do rádio, bastou um pulo para a televisão de onde nunca mais saiu. Foi ela, a primeira mulher negra a sentar numa bancada de um telejornal na Bahia usando um turbante na cabeça: “essas quebras estéticas eram propositais. Não era possível! Eu estava no estado da Bahia onde questões dessa natureza ainda não eram naturalizadas. Porque no carnaval, pode, mas no dia a dia não? “questiona. 

Rita Batista passou pelas principais emissoras da Bahia e do Brasil. Hoje, mais uma vez, morando em São Paulo, leva a competência e seu sorriso marcante para os programas É de Casa, Mais Você e Encontro, com Fátima Bernardes, na Globo. Mas segundo isso não a coloca num lugar de representante: “não me coloco nesse lugar de representante e não é só pela responsabilidade, mas porque acho que cada pessoa representa a si mesma.” 

Rita comenta o aumento de contratações de jornalistas negros para a tevê, o que para ela, ainda é pouco: “essas pequenas transformações são importantíssimas, mas ainda é muito pouco. É muito perigoso o conceito de negra única ou negro único – se já temos uma apresentadora negra em um programa dominical ou um representante negro no entretenimento é suficiente. Não é! É preciso expressar a representatividade do todo, da população brasileira, do que diz o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). Isso é muito contraditório porque as vezes fica parecendo que não tem, que as pessoas negras não são capazes, que é o mito da meritocracia e elas estão sim, aí. “

Rita conta que ainda é preciso evoluir muito, pois nem mesmo os equipamentos estão preparados para as pessoas pretas: “inúmeras vezes disseram que o seu cabelo não recortava no chroma key (aquele fundo verde usado para incluir imagens digitais). Aí me perguntavam porque eu não o alisava. Vale ressaltar, que o que acontecia era o contrário, era o chroma key que não recortava meu cabelo!” 

Nas redes sociais, Rita acumula aproximadamente 200 mil seguidores e para eles, fala da importância de se hidratar, como seu lema “já bebeu água hoje?, mostra a sua fé nos orixás e trata de falar sobre temas relevantes e essenciais, como racismo, LGBTQIA+fobia e empoderamento feminino.  Além disso, mostra orgulhosa seus fios brancos, que segundo ela “desagradam muita gente.” 

RITA COMO ELA É

Aos 42 anos, Rita relembra que nunca se preocupou em agradar, mas sim, em levar sua verdade para aonde quer que seus pés alcancem – seja quebrando paradigmas ou falando claramente sobre assuntos que alguns preferem não ouvir. A jornalista faz o que uma mulher livre pode fazer, mesmo quando se torna mãe. Hoje, morando em São Paulo, com uma rotina puxada, preferiu delegar os cuidados do filho Martin, de 4 anos, com o pai, o terapeuta tântrico, Marcel Suzart, que mora em Salvador, pelo menos até as coisas se estabilizarem: “tirem a carga e a expectativa das outras pessoas. Faça o que for possível. Estabeleça relações com seu trabalho, com seus filhos, seus parceiros e parceiras, dentro das suas possibilidades. Há um ano eu estou longe do meu filho, faço visitas periódicas e telefonemas regulares, mas ele vive com o pai, que foi meu companheiro e que se disponibiliza como muitas mães se disponibilizaram, para que o homem seguisse os seus ideais, carreiras e eu fico verdadeiramente muito feliz de ter essa tranquilidade.”

Sobre o futuro, Rita sonha com um mundo melhor, com “mais justiça social e verdade.” E faz um pedido: “que falemos a verdade para as nossas crianças e as eduquemos dentro dos princípios da justiça, da organização dos pensamentos, da distribuição de renda, do cuidado consigo e com o outro e com o meio em que elas vivem.”

@ritabatista

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